quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Carimbos numéricos volantes (08) * Canhoca


            Neste pequeno apontamento vai-se “estoriar” mais um dos quarenta carimbos numéricos volantes que foram mandados adquirir para suprir a ausência de marcas de dia das estações que fossem sendo abertas em Angola, ou para substituir as definitivas que, pertencendo a estações já estabelecidas se encontrassem avariadas ou tivessem por qualquer razão sido dadas como perdidas. Este carimbo foi usado exactamente para suprir a falta de marca de dia, por deterioração ou desaparecimento da anteriormente atribuída à estação postal da Canhoca.
            Possuo na minha colecção de marcofilia de Angola um único exemplar, em selo, da marca de dia primitivamente atribuída à estação postal. Nunca vi outro exemplar, quer em colecções de amigos, quer à venda no comércio da especialidade ou em leilões. É provável que algum coleccionador o possua, mas a sua raridade é factual. O carimbo é do tipo A6 (Magalhães, 1986), composto por um círculo e dois segmentos circulares, cujas cordas formam a ponte para a data. Neste tipo existem duas variantes, sendo este carimbo da “variante A” com datador em que o mês é representado por algarismos romanos seguido de 3 algarismos para o ano e indicação horária terminando com letra M (manhã) ou T (tarde). Guedes Magalhães não referencia este carimbo na sua obra “Marcas Postais de Angola”.

            Por razões que se desconhecem este carimbo deixou de ser utilizado, e em seu lugar foi atribuído à estação postal da Canhoca o carimbo numérico volante n.º 8 de acordo com a Ordem de Serviço n.º 329 de 29 de Setembro de 1913 da Repartição Superior dos Correios de Angola, que a seguir se reproduz.
            O carimbo numérico volante aparece batido a preto e a violeta, conforme podemos constatar da imagem a seguir apresentada.
            Tal como aconteceu noutros casos, este carimbo deveria ter um período de utilização curto na estação postal, atendendo ao carácter de marca de dia provisória de que estavam revestidos, acabou por se tornar a marca de dia definitiva da estação pois em 1936 ainda estava em uso conforme prova a carta que abaixo se reproduz.
Sobrescrito remetido da Canhoca (03.05.36) para Boston, com trânsito por Luanda (05.05.36). Foi franquiada com 35c, correspondente ao primeiro porte de impressos (peso até 50g) remetidos para o estrangeiro (Decreto nº 23.455 de 12.01.1934 do Ministério das Colónias)

            Não se conseguiu encontrar o diploma que criou a estação postal da Canhoca, porém podemos afirmar que o aparecimento desta estação postal está intimamente relacionada com a chegada da linha ferroviária do então Caminho de Ferro do Ambaca à região. De tal forma estavam interligados que em 26 de Abril de 1918, pela Portaria n.º 105 o Governo-Geral entrega a chefia da estação ao chefe da estação do ramal ferroviário do Golungo Alto.
            Canhoca começou por ser uma estação ferroviária ao Km 287 do então Caminho de Ferro do Ambaca, depois denominado Caminho de Ferro de Luanda quando da passagem da sua posse para o Governo, pelo Decreto n.º 4600 de 13.07.1918, promulgado pelo então Presidente da República Sidónio Pais. Com as alterações que entretanto foram sendo introduzidas no traçado inicial, a distância de Luanda a Canhoca acabou por ficar reduzida a 209 kms.
Apenas em 14 de Setembro de 1955 pela Portaria n.º 9061 foi elevada ao estatuto de povoação comercial de 4.ª categoria, passando a pertencer ao Concelho do Casengo. Em 1959, para além de um pequeno aglomerado habitacional, existiam somente na sua área uma casa comercial e uma fazenda agrícola importante.
            A sua importância advinha da posição geo-estratégica que ocupava, pois era o entroncamento da ramal ferroviário do Golungo Alto com a linha principal do Caminho de Ferro de Luanda. Era uma das mais importantes estações da linha pela sua situação ao centro das grandes plantações de café, principalmente as das feitorias de Cavunge, Palmira, Águas Doces e Gratidão.
            O único restaurante estava situado na estação ferroviária, porém as movimentações de mercadorias expedidas e recebidas eram importantes, e na sua maioria destinadas ou oriundas das regiões limítrofes.
            Os trabalhos de construção da linha ferroviária iniciaram-se em 31 de Outubro de 1886, data escolhida por ser o aniversário natalício de D. Luís I. Foram os primeiros carris que “morderam” as terras escaldantes de Angola. Exactamente dois anos depois do lançamento da primeira pedra é inaugurado o primeiro troço que levava os comboios de Luanda à Funda numa distância de 45 kms. Em 1889, treze anos depois a extensão da linha ferroviária estendia-se por 364 kms até à ponte do rio Lucala. Porém só em 7 de Setembro de 1909 é que a linha chega a Malanje.
Estação ferroviária da Canhoca em 1909
 
 
            Posteriormente o Governo de Angola decide construir o Ramal do Golungo Alto, pois a riqueza da região, principalmente a do Cazendo, assim o justificava. Não foi fácil a construção deste ramal atendendo ao acidentado do percurso. Por essa razão só foi possível construir o ramal ferroviário com uma bitola de 0,60m. A construção do ramal foi feita em dois lanços: um partindo da Canhoca até Cambondo na distância de 14 kms e outro de Cambondo ao Golungo Alto na distância de 17 kms, porém o de mais difícil construção. Os lanços foram inaugurados respectivamente em 28.08.1913 e 28.10.1915.
Estação ferroviária da Canhoca e a povoação ao fundo em 1974
 
 
            Atendendo à diferença de bitolas entre o Ramal do Golungo Alto (0,60m) e a do Caminho de Ferro de Luanda (1,067m) percebe-se a importância do entroncamento da Canhoca. A rica região do Golungo Alto e Casengo, grandes produtoras de café e outros produtos, faziam escoar pelo ramal ferroviário grandes tonelagens de produtos que chegados a Canhoca tinham que ser transferidas para os comboios da linha principal, porque a diferença de bitolas não permitia que as composições do ramal continuassem por esta via até Luanda. Este grande movimento de mercadorias e passageiros na estação da Canhoca conferiam-lhe uma enorme importância.
            Retornando aos aspectos filatélicos relacionados com a povoação da Canhoca, uma nota final para lembrar que existindo uma estação ferroviária na povoação, a população podia usufruir dos privilégios consignados na Portaria n.º 484 de 08.05.1913, publicada no Boletim Oficial n.º 19 de 10.05.1913, que permitia a condução de cartas, estação a estação ferroviária, através dos condutores dos comboios.
Nota: O carimbo foi “avivado” por se encontrar mal batido.
            Pela carta acima reproduzida, um dos raríssimos espécimes conhecidos, circulados nas condições da Portaria citada, pode-se verificar que o selo se encontra obliterado pelo carimbo nominativo em uso na estação ferroviária da Canhoca. A carta está franquiada com um selo de 70c correspondente ao primeiro porte (peso até 20g) para cartas circuladas no interior da colónia (Aviso da Administração dos Correios, Telégrafos e Telefones Publicada no Boletim Oficial de Angola nº 36 de 03.09.1932). Pela inscrição manuscrita no frontispício da carta (Contem senha n.º 1259) permite deduzir-se que alguém foi à estação despachar uma encomenda e que aproveitou para fazer seguir pelo mesmo comboio a carta contendo a respectiva senha de despacho. A carta foi depois entregue na estação de destino em Luanda ao destinatário, permitindo assim rapidamente proceder ao levantamento da encomenda.

Bibiolgrafia:
·         Angola, Portos e Transportes, Eduardo Gomes de Albuquerque e Castro, 1970
·         Dicionário Corográfrico Comercial de Angola, Edições Antonito, 1959
·         Memória Explicativa e Descriptiva dos Actos e da Situação da Companhia Real dos Caminhos de Ferro atravez d’Africa, 1909
·         Índice Histórico-Corográfico de Angola, Mário Milheiros, 1972
·         Atlas de Portugal Ultramarino, Junta das Missões Geográficas e  de Investigações Coloniais, 1948


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